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gabis

1/10/20254 min read

Existe mais por trás da música que a vã ciência pode imaginar. ¨Meu namorado é maior otário, ele lava minhas calcinhas. Se ele fica cheio de marra eu mando ele pra cozinha.¨, trecho de uma música da funkeira carioca MC Carol, pode soar despretensioso aos ouvidos numa primeira impressão. Assim como ¨Menina, por favor, respeite se seu tempo já é diferente¨, frase cantada pela multiartista paulista Laura Wrona em um dos seus mais recentes trabalhos.

A sutileza de Laura e a intensidade de Carol se confluem e são formas distintas de empoderamento e questionamento. Ambas expressam em suas músicas desejos que são inerentes às mulheres. As faltas históricas que lhes foram impostas criam a necessidade de expor, pela arte ou por qualquer outro meio, questões silenciadas.

Não é mais fácil relaxar e gozar da sua própria existência!?

Ocupado tem gente é o título de um recente trabalho da cantora, compositora, designer gráfico e produtora visual Laura Wrona e a música é trilha de seu primeiro videoclipe. Suas produções são divulgadas em sua página no Facebook, em meio a postagens de fotografias e referências musicais.

Wrona explica que a idealização de "Ocupado tem gente" partiu de uma conversa com uma amiga. “Ela estava, na época, com uma crise de não se aceitar, de estar muito para baixo, de comparar muito sua vida com as de outras pessoas e querendo se melhorar de maneiras milagrosas.”, relata. Durante o processo de criação, ela percebeu que o problema não era só com o outro. “É uma crise que eu também tenho, de ficar me medindo pela altura dos outros”, reconhece.

Meu namorado é mó otário, ele lava minhas calcinhas

MC Carol trilha outros caminhos. Nascida numa favela de Niterói, Carol já cantou sobre a peruca de sua avó, crack, homens que abandonam mulheres grávidas e, mais recentemente, sua insatisfação com as aulas de história das escolas. Para ela, Pedro Álvares Cabral não descobriu o Brasil. “Ele invadiu”.

“Quem lutou pelos negros foi Zumbi e Dandara. Princesa Isabel não aprendeu capoeira para lutar contra os capatazes. Dandara que se infiltrou no meio dos “homi”, no meio do marido, e lutou a favor dos negros. Se hoje eu estou aqui, liberta, é graças a ela. Ela e outros negros.”, contextualiza a funkeira.

Além de professores de história e linguistas interessados em estudar a letra da música da MC, ativistas feministas também curvam olhares interessados para o trabalho da artista.

“Eu sempre fui uma criança muito convencida. Eu me acho pra caralho. Eu sou abusada mesmo, eu me acho mesmo. Me acho gostosa. Se eu não me achar, quem vai me achar? Eu me acho a mulher mais gostosa do mundo. MC Carol é uma garota muito extrovertida, ao mesmo tempo muito autoritária, brigona. Uma pessoa de caráter forte, personalidade forte. Uma pessoa de caráter e sincera. Sincera até demais”.

PERCEPÇÕES — Entrevista com Priscilla Glenda (Djambê)

gabis: Como você, enquanto profissional da música, mulher e feminista, enxerga a importância de letras de músicas que contestam/questionam ou reafirmam o papel da mulher na sociedade?

priscilla: Considero essas letras importantíssimas, visto que temos pouca representação em diversas instâncias importantes de nossa sociedade. É empoderador nos identificarmos na outra, que dirige uma empresa, canta, governa. Só assim vamos nos descobrindo como exemplo e inspiração e desconstruindo a visão de que nascer mulher já nos impõe limites.

gabis: Você acha importante que seu trabalho, além de entreter, também funcione como ferramenta de críticas e questionamentos acerca de assuntos como o feminismo?

priscilla: Não é algo premeditado, escrevo sobre minhas vivências. Estou em cada verso, exposta. A única coisa que racionalizo quando componho é em usar as palavras de um jeito simples, para que a mensagem possa circular em todos os lugares. Minhas composições crescem em torno das minhas críticas e questionamentos, não sei como escrever de outra forma e sinto enorme gratidão por algumas pessoas se identificarem ao ouvir e irem além do arranjo legal, dançante.

gabis: Para você, as mulheres têm estado mais presentes na música, tanto como ouvintes quanto como profissionais do segmento? E, das mulheres que já participam do cenário musical, é comum encontrar algumas com “vibe” feminista? Se sim, quais seriam exemplos disso?

priscilla: Estamos conquistando nossos espaços. Mas, quando participo de festivais, vejo que ainda somos minoria, tanto no palco, quanto na produção, equipe técnica e por aí vai. Tenho encontrado algumas mulheres, cantoras e compositoras, preocupadas com essa questão. Aqui em BH tem a Bárbara Sweet, a Sarah Guedes e o Coletivo Negras Autoras (NEGR.A), que abrange a uma visão, ainda maior, do feminismo, sob a ótica das mulheres negras.

gabis: Você acha que mulheres cantoras/compositoras acabam fazendo músicas feministas ou músicas que acabam indo neste caminho, quase que inconscientemente, pelo fato de serem mulheres? Por quê?

priscilla: Não são todas as mulheres, sejam elas cantoras e/ou compositoras, que têm essa preocupação. Como eu disse, acho que isso depende da vivência de cada uma. Algumas de nós ainda não entenderam, ou não pararam para refletir, sobre a sociedade que nos cerca e como somos tratadas. Pra uma composição nascer e crescer ao redor desse tema tem que existir essa vontade de mostrar que estamos conscientes do espaço que merecemos ocupar no mundo, pois ele é nosso por direito.

gabis: Sobre MC Carol: você acha que a cantora tem uma ligação com os ideais feministas? Qual sua opinião sobre músicas como “Meu namorado é ‘mó’ otário”?

priscilla: Musicalmente não gosto, mas sei que para as mulheres que estão à frente de suas casas, cuidando de filhxs, lavando, passando, trabalhando fora e lidando com maridos que não ajudam, por terem sido criados por pais e mães machistas, a letra é empoderadora, sim! Não a conheço, não sei qual a ligação dela com o movimento feminista, mas na música fica bem claro, pra mim, que ela quer igualdade de direitos.

gabis: Sobre Laura Wrona: Analisando a letra de “Ocupado Tem Gente”, você enxerga a música como feminista ou não? Se sim, em quais trechos é possível visualizar isso?

priscilla: Achei a música muito legal, não conhecia (valeu pela dica!). Pra mim, essa música é bem feminista, aborda uma questão muito importante com a qual temos que lidar desde pequena, a aceitação. Somos muito cobradas, temos que ser a mais bonita, gostosa, bem-sucedida, boa de cama, ótima mãe, etc. E o padrão estabelecido é irreal e, normalmente, ditado por homens. Nos conhecermos, saber o gostamos, o que não queremos é um caminho difícil, mas libertador.

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